sábado, 25 de novembro de 2017

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O resultado dessa bandalheira toda é que ninguém sofreu nada, nem eu nem o Carlão; sequer um arranhão, e não é força de expressão; não tínhamos nem um único vestígio de acidentado; sequer um hematoma ou uma torção...
Já o fusca...
Tadinho...
Deu perda total, a batida foi tão forte que trincou o motor e fez um ‘V’ em toda a parte traseira.
E eu, sinceramente, até hoje não sei como é que nenhum de nós dois sofreu nada.
Ficamos por ali, no acostamento, de bobeira, esperando o guincho, conversando com algumas pessoas (curioso é foda, já falei, é mais onipresente que Deus...) Descobrimos que o problema era a pista, mesmo. O cara que havia batido no vidro do meu lado do fusca, logo depois do acidente, falou que chegou rápido onde estávamos porque já estava ali parado por causa de um outro acidente, ocorrido cerca de um quilômetro antes. E eu e o Carlão, enquanto esperávamos, ainda pudemos presenciar um terceiro: um Monza rodopiou no asfalto e foi parar no canteiro central, cerca de trezentos metros de onde estávamos. E nesse ninguém se feriu, também.
Mas o que achamos pior nisso tudo, bem mais que a perda do carro, e bem mais que as horas de espera pelo guincho embaixo de chuva, foi que nenhum de nós dois tirou uma única foto do carro acidentado. Nem uma. Por incrível que pareça. Cada um de nós com uma câmera disponível e nem uma única foto foi tirada. Nem uma. Um puta acontecimento desses, memorável, histórico até, e nem uma imagem pra mostrar. Os dois parados ali, ao lado do carro, por horas, e ninguém se lembrou de fotografar.
Idiotas.
Retardados.
Lerdos de cabeça.
Psiquiatras de caramujo.
Lesmas maconhadas.
Tanto que só fomos nos dar conta disso muito tempo depois, já à noite... Andamos um monte pela cidade, à pé... Boca Maldita, relógio das flores... Paramos pra uma cerveja no Lancelot (hoje Calabouço), e a imagem do Carlão à minha frente ficou mais nítida na minha memória do que o acidente em si. Sem mais nem menos (o assunto nem era esse), o Carlão socou o copo na mesa, com força, como se quisesse esmagar um inseto, e falou:
― Puta que o pariu!!!!
Eu, na hora, fiquei sem entender porra nenhuma...! Pensei que ele tinha perdido a carteira, que a cerveja tava envenenada, que tinha cagado na calça, sei lá... Nem quando ficamos sabendo, já no mecânico, que o fusca estava perdido, ele tinha feito uma cara tão feia. Fiquei com cara de anta, nem tive tempo de perguntar nada e ele já emendou:
― Não tem foto!!!
Minha cara de anta foi elevada ao quadrado, ao cubo, ao losango exponencial da abstração quântica da matemática...
Que porra é essa...?
― Ninguém tirou uma puta duma foto do acidente!!!
Caiu a ficha.
Ficamos nos encarando por algum tempo, num misto de raiva e remorso... Depois começamos a gargalhar feito dementes.

* * *

É, Carlão... Eu comecei este trecho da minha história dizendo que há males que vêm para o bem...
Mentira...
Nenhum mal pode trazer o bem... A gente é que tem que se virar e aprender a transformar em bem aquilo que é mal...
E acho que aprendemos isso... E bem...